XXI Governo Constitucional assume plenitude
de funções após apresentação de Programa à AR

Tempos de grande exigência<br>e de confiança

Uma semana depois de tomar posse, o Governo do PS liderado por António Costa assumiu, faz hoje oito dias, a plenitude de funções, após ver o seu Programa apreciado pela Assembleia da República, de acordo com a Constituição.

É fundamental que o Governo cumpra os compromissos assumidos com os portugueses

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«Portugal voltou a ter um Governo e agora o momento é para trabalhar», afirmou o primeiro-ministro, em declarações aos jornalistas, já liberto da formalidade e tensão de um debate que se prolongou por dois dias e que teve o seu epílogo no chumbo pelas bancadas do PS, PVP, PEV e BE, com a abstenção do PAN, da moção de rejeição ao XXI Governo Constitucional apresentada pelo PSD e CDS.

«Crescimento, emprego, igualdade», foram apontados por António Costa como os grandes desígnios a cumprir pelo seu Governo, os quais, assegurou, permitirão simultaneamente o equilíbrio das contas públicas e o desenvolvimento económico e social.

Identificando o «ponto de partida» do seu mandato, referiu que a herança recebida do seu antecessor é a de um «País empobrecido», com a «economia estagnada», um «investimento que recuou 30 anos» e um «emprego que recuou para níveis de 1995». Será contudo «outro o ponto de chegada, porque serão outras as políticas», como a do «combate à pobreza», a da «reposição dos mínimos sociais» ou a da «dignificação do trabalho», afiançou o primeiro-ministro.

Desde cedo no debate ficou claro o propósito de PSD e CDS explorarem ao limite a tese da suposta «ilegitimidade» do Governo. «Está diminuído na autoridade política e ferido de morte na legitimidade, declarou, sonante, logo na fase inicial, Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD, repetindo que o «PS foi rejeitado pelo povo e viabilizado por deputados que perderam as eleições». No final, Passos Coelho, mostrando azedume, voltaria a remoer no assunto, falando em Executivo «construído nas costas do povo».

Artimanha

Quem sofreu um «pesado revés eleitoral» foram o PSD e CDS, que perderam a maioria, e ficaram «limitados a uma minoria, incapaz de formar governo e ver aprovado o seu programa no quadro da nova expressão e arrumação de forças na AR», novo quadro parlamentar «de onde emanou uma solução política e institucional alternativa», contrapôs, na sua primeira intervenção, o Secretário-geral do PCP. Mais tarde, o dirigente comunista viria a acusar aqueles partidos de pretenderem «justificar o seu direito a exercer o poder em regime de monopólio» em nome, por um lado, da «inexistente e falsa regra de que o partido mais votado tem direito a governar e o direito a passar obrigatoriamente na AR mesmo quando minoritário», e, por outro lado, nessa «falaciosa artimanha», como lhe chamou, que consiste em desvirtuar a natureza das eleições legislativas transformando-as em eleições para primeiro-ministro.

À ladainha da «falsa vitória nas eleições» e dessa espécie de «direito divino a governar» que PSD e CDS avocam, e que percorreu em larga medida o debate, respondeu também o presidente da bancada comunista, João Oliveira, resumindo-a a «uma questão de aritmética: 107 é menos que 122». Por outras palavras, «antes, os dois – PSD e CDS –, podiam mais que todos os outros; agora, os dois podem mais que um mas não podem mais que quatro».

Desenvolveu ainda o seu raciocínio estabelecendo uma comparação entre o actual mapa parlamentar e o que existia antes de 4 de Outubro. E lembrou que o PSD e o CDS foram as únicas forças políticas que perderam votos, percentagem, deputados, e perderam a maioria de que dispunham.

«Se PSD e CDS foram os únicos a perder não podem continuar a dizer que ganharam as eleições. E sobretudo não podem querer impor a vontade de 107 deputados a outros 122 como se isso correspondesse a alguma regra da democracia», prosseguiu João Oliveira, frisando que a «vontade popular expressa nas eleições compôs a AR de forma a que houvesse uma maioria de deputados que rejeita a continuação do governo PSD/CDS e que criou condições para que haja uma solução governativa diferente, com um Governo do PS».

Daí o presidente da formação comunista ter considerado que a insistência na tese da ilegitimidade de qualquer solução governativa que não passe por um governo do PSD e do CDS é insistir no «desrespeito pela vontade popular».

Olha o papão

Mas foi isso mesmo que aqueles partidos fizeram até final do debate, não desarmando dessa linha de ataque que acabou por assumir expressões ainda mais grotescas em intervenções como a de Telmo Correia (CDS), que acusou o Governo de estar imbuído de um «projecto radical social-comunista». Na mesma linha, pela voz do seu chefe, o agora deputado Paulo Portas, ouviu-se a confissão – pondo a nu a cumplicidade do pensamento e projecto de Cavaco Silva – que António Costa «só é primeiro-ministro porque o Presidente da República está impedido de convocar eleições».

A pretexto da estabilidade governativa e do clima político, o ressabiamento e mau perder do ex-ministro levaram-no ainda a outros lamentos pelo que disse ser a «cedência do PS à Fenprof da política de Educação», e do «sector público dos transportes à CGTP», vendo nisso um «sequestro de políticas» destinado a «tornar a vida das famílias num inferno» e a «desorganizar a economia».

E de dedo em riste, dramatizando, considerou que «é a vontade do PCP que decidirá o destino de Portugal».

Agitar do medo, cenários de caos e antevisão de dificuldades que foram de resto uma tónica forte nas intervenções de PSD e CDS, sob o alegado receio do «peso do estímulo ao consumo», da «consolidação orçamental», ou do «clima político e da estabilidade política».

«Que não se estrague o que foi feito», «respeito pelo esforço dos portugueses», «dê-se continuidade ao trabalho», exortou Marco António Costa (PSD), dizendo-se receoso quanto ao «regresso da instabilidade, do devaneio».

Esperança

«Se fosse levado à letra o que há semanas tem sido dito e escrito o País estaria hoje no caos absoluto, numa corrida aos bancos, fugas de capitais», aclarou o deputado comunista António Filipe, convicto de que o «alarmismo da direita é inversamente proporcional ao optimismo com que os portugueses encaram o futuro próximo, porque nada disso está efectivamente a acontecer».

Esperança numa mudança de política que as intervenções das bancadas à esquerda do hemiciclo espelharam de uma maneira muito clara, sem contudo deixar por registar a advertência, como fez o PCP, de que para isso é fundamental que o Governo cumpra os compromissos assumidos com os portugueses e que o mesmo aconteça entre os partidos que tornaram possível esta solução governativa.

Certo, em todo o caso, é que no Programa do Governo – o que em parte explica o esforço de PSD e CDS para esconder ou deturpar o que são os elementos de convergência a que chegaram PS e PCP para responder a problemas e anseios dos trabalhadores e do povo – estão vertidas propostas que «na sua concretização podem contribuir para melhorar, ainda que de forma limitada, a vida de milhões de portugueses, particularmente dos trabalhadores, dos reformados, dos jovens, das mulheres, dos pequenos e médios empresários», como assinalou Jerónimo de Sousa.

E falando dos enormes desafios que estão colocados ao programa do Governo do PS, o dirigente do PCP não deixou de destacar que, de entre eles – e não será certamente o menor – está a compatibilização entre, por um lado, o «grau de concretização dos seus objectivos estruturantes da criação de emprego, do investimento, crescimento económico e desenvolvimento» e, por outro lado, o «quadro de constrangimentos externos que nos são impostos e cujos instrumentos de realização têm sido dogmas intocáveis para PSD e CDS».

Daí Jerónimo de Sousa ter sublinhado a necessidade de «ultrapassar a divergência existente entre uma realidade aprisionada em regras e constrangimentos draconianos e estéreis e a necessidade de afirmar o nosso desenvolvimento soberano».

 



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